Bruce Dickinson: The Mandrake Project desobedece às leis da física e faz a audição de 1 hora transcorrer em 15 minutos

É hora de descer pela toca do coelho. A alegoria criada por Lewis Carrol (Alice no País das Maravilhas, 1865) serve perfeitamente para ilustrar a experiência que o ouvinte está prestes a encarar quando dá o play em The Mandrake Project, novo álbum solo de Bruce Dickinson, lançado no dia 1 de março.

Caso o prezado leitor tenha incorporado Alice e caído neste site de rock n’ roll e heavy metal por engano, Dickinson é o idolatrado vocalista do Iron Maiden, além de empresário, historiador, piloto de avião, palestrante, esgrimista, radialista e mais uma série de ocupações que precisariam de uma matéria à parte para listá-las.

Pois bem, justo essa hiperatividade altamente funcional do vocalista é o que transborda no álbum, que se mostra extravagante, diversificado e bem-sucedido como seu idealizador. Ainda é um disco de heavy metal, porém repleto de mudanças de andamento, storytelling cinemático, camadas orquestrais e acústicas, elementos eletrônicos e étnicos, nuances de blues, soul e country.

Bruce viaja longe e o ouvinte viaja junto, tentando decifrar as excentricidades da mente brilhante do vocalista. Por sinal, elogiar sua performance vocal seria chover no molhado, mas é preciso realçar que, após quase 70 anos de idade e um câncer na garganta, Dickinson esbanja uma interpretação das mais versáteis que já produziu.

O time de instrumentistas também merece destaque. A guitarra de Roy Z oferece riffs bojudos de dar água na boca, como em Afterglow of Ragnarok, enquanto os teclados do maestro Mystheria criam uma beleza sublime nos momentos mais brandos, como em Face in the Mirror.

Em paralelo, a sonoridade transita livre por um leque de influências que vai muito além do Deep Purple: o épico emocional Sonata (Immortal Beloved) encerra o disco transpirando Pink Floyd, ao passo que a empolgante Many Doors to Hell invoca o Scorpions oitentista e a curiosa Rain on the Graves suscita um improvável casamento entre Ozzy Osbourne e Johnny Cash. A multifacetada Resurrection Men, por sua vez, parece saída diretamente de um filme de Quentin Tarantino.

Nesse caldeirão que é The Mandrake Project, Bruce ainda entrega uma excelente e bem-vinda peça de symphonic metal moderno com Fingers in the Wounds, além de um heavy metal sem firulas em Mistress of Mercy. A velha conhecida Eternity Has Failed também dá as caras, menos acelerada e mais orgânica do que a versão que acabou sendo aproveitada e gravada pelo Iron Maiden, sob o título If Eternity Should Fail (The Book of Souls, 2015).

Entretanto, dentre tantos destaques, talvez o maior deles fique por conta da emblemática Shadow of the Gods, que combina de forma irrepreensível o peso, a beleza melódica, a teatralidade e o dinamismo que se espalham pelo álbum.

Fato é que, tal qual no País das Maravilhas, o tempo desobedece às leis da física, fazendo com que a audição de uma hora pareça transcorrer em quinze minutos, devido ao caráter surpreendente e variado do disco. Em The Mandrake Project, Bruce Dickinson é o Coelho Branco, mas também é o Chapeleiro Maluco, a Rainha de Copas e a própria Alice. E, de alguma forma, o final é feliz para todos.

Track listing de The Mandrake Project:

“Afterglow Of Ragnarok”
“Many Doors To Hell”
“Rain On The Graves”
“Resurrection Men”
“Fingers In The Wounds”
“Eternity Has Failed”
“Mistress Of Mercy”
“Face In The Mirror”
“Shadow Of The Gods”
“Sonata (Immortal Beloved)”

Nota: 9.5

Deixe um comentário (mensagens ofensivas não serão aprovadas)