Monsters of Rock 2023: A sétima edição é a maior prova que São Paulo é a cidade do rock

Empreender no setor cultural no Brasil é uma tarefa hercúlea; as razões são as mais variadas e passam por questões como a fragilidade financeira, logística e, até mesmo, social. Agora, imagina apostar no segmento rock e metal! Os obstáculos se acentuam e podem desanimar as produções mais inábeis que se deixam esmorecerem pelos primeiros abacaxis e pepinos que surgem no caminho.

Contudo, há a turma dos valentes e ousados; o pessoal que sempre enxerga o copo meio cheio e transpõem os desafios e os usam como escada para alcançar o próximo nível. Neste contexto bem-sucedido está o Monsters of Rock Brasil, festival que deu seu pontapé inicial em meados dos anos 1990 e se firmou como o maior e mais cultuado festival de rock e metal do país.

Em 2023, o Monsters Brasil chegou a sua sétima edição mais forte do que nunca, com uma organização e infraestrutura notável e, claro, com um lineup recheado de atrações que fizeram as dezenas de milhares de fãs bradarem com todas as forças alguns dos maiores hinos da música pesada.

Para dar vida a uma maratona de doze horas de rock n’ roll e heavy metal, a festa começou cedinho, às 11:30, com os trabalhos da Metal Queen, Doro Pesch. A alemã estava ausente dos palcos brasileiros há algum tempo, então, seu show veio embalado com um sabor especial e, obviamente, assentado em muito som bacana.

Com músicas do Warlock, primeira banda de Pesch, e carreira solo, a cantora deu o bom dia ao público ao som de Burning the Witches, Hellbound, Revenge, Fight for Rock e All We Are. Carisma, performance energética e simpatia são alguns dos muitos trunfos de Doro, e fora claríssimo que a frontwoman usou tais atributos para quebrar o constrangedor gelo de começo de festival e chamar o pessoal para agitar da primeira a última nota de seu set.

Foto: Ricardo Matsukawa

Rápida e eficiente troca de palco, esquema que se manteria por todo evento, o Symphony X chegou para representar o prog metal e suas mirabolantes acrobacias instrumentais. O som, infelizmente, não fora um aliado ao grupo norte-americano, o que deixou o vocalista Russell Allen claramente irritado com sua equipe técnica.

Todavia, os contratempos sonoros não deixaram o cantor de mau-humor; na verdade, Allen esbanjou sorrisos, brincadeiras com os fãs e um gogó privilegiado. O repertório teve ênfase no mais recente trabalho de estúdio da banda, Underworld (2015), então, músicas como Kiss of Fire, Nevermore e Run with the Devil deram as caras no setlist e saíram muito bem ao lado das pesos-pesados Serpent’s Kiss e Set the World on Fire (The Lie of Lies). O pecado cometido pelo grupo foi ter limado Of Sins and Shadowns do repertório, pois seria o grand finale.

Foto: Ricardo Matsukawa

Com a difícil responsabilidade de substituir o gigante Saxon, já que o grupo britânico precisou adiar parte de sua agenda com a aposentadoria do guitarrista Paul Quinn, o sueco Candlemass, que é um dos maiores representantes do doom metal, apresentou toda densidade de sua música em temas do quilate de Crystal Ball, The Well of Souls e A Sorcere’s Pledge. Curtir tais pérolas do sombrio estilo musical num calor tropical se mostrou uma experiência curiosa à plateia, que recebeu o show com disposição e atenção. É importante ressaltar que a performance da banda fora abrilhantada com as linhas de guitarra de Fredrik Åkesson, do Opeth.

Foto: Ricardo Matsukawa

Da Suécia para Alemanha; do doom metal para o power metal! O Astro-Rei ainda castigava os fãs com seus raios UVA, UVB e UVC e elevava, pois, a temperatura dentro e fora do palco, contudo, os fãs trataram de se hidratar com o líquido predileto e se abastecer de energia, pois o Helloween ia amplificar a quentura e consumir seu vigor com um repertório calcado essencialmente em clássicos. Imagina uma apresentação cuja a trinca inicial apresentou-se com os versos, refrãos e solos de Dr. Stein, Eagle Fly Free e Power.

Imagina também uma viagem ao tempo, indo ao passado com a imponente Heavy Metal (Is The Law) e voltando ao presente com a melodiosa e novata Best Time. Pois é, o show dos alemães teve tudo isso e muito mais, já que contou com as performances dos hits Future World e I Want Out. Mais destaques? Ora, o show dos fãs, pois cantaram cada canção como se suas vidas dependessem de tal ação.

O único porém – se é que pode ser considerado um empecilho – fora logo no início do show, onde a estrutura que serve de suporte à cortina de palco não funcionou bem e os músicos tiveram que revelar-se nas laterais do palco. O contratempo durou poucos segundos; jamais macularia o grande show das abóboras alemãs.

Foto: Ricardo Matsukawa

Agora, da Alemanha para a Inglaterra; do power metal para o hard rock setentista. O Deep Purple sempre foi e sempre será sinônimo de elegância musical. Não há sequer uma nota fora do contexto ou que esteja em desunião com a árdua proposta de soar simples aos ouvidos tocando linhas musicais complexas.

O jogo já estava ganho desde os primeiros acordes com a open act Highway Star, e provou o quão bem a canção passou pelo implacável teste do tempo. Hits eternos do teor de Lazy, When a Blind Man Cries, Perfect Strangers, Space Truckin’, Hush e Black Night ganharam, inclusive as linhas de guitarra, o coro de milhares de vozes.

Foto: Ricardo Matsukawa

Ainda sobre o Deep Purple, dois pontos merecem ganhar luz especial e uma análise mais profunda, que é o vocalista Ian Gillan e o guitarrista Simon McBride.

Primeiro, Gillan é um dos maiores vocalista do rock e marcou sua carreira com obras musicais seminais. Curta ou não o Deep Purple ou seus projetos paralelos, isso é um fato, ou seja, não é passível de discussão ou debate.

O cantor tem 77 anos e ainda tem a disposição de viajar o planeta cantando suas intrincadas canções, então, não importa se sua voz não possui tanta potência como outrora ou não ultrapassa três oitavas. No caso de Gillan essa questão ganha uma proporção diminuta e sem sentido, pois o cantor se entrega de corpo e alma a sua arte.

Algumas pessoas podem indagar que o vocalista ainda está no jogo por interesses financeiros. Não, não está, pois o dinheiro para artistas do calibre de Gillan tem valor secundário. Porque é desprendido materialmente? Jamais! Pois o tem demasia para esta e futuras vidas, então, a entrega do cantor, atualmente, é pelo amor, carinho e respeito à música e ao público.

O outro ponto sobre o Purple é a performance de Simon McBride, que chegou recentemente ao grupo substituindo o genial Steve Morse, visto que precisou se ausentar integralmente da banda para cuidar da esposa que está em tratamento de câncer há algum tempo. O trabalho apresentado por Simon foi satisfatório, já que tomar as rédeas das seis cordas no Deep Purple tem que ter milhagem musical; nenhum aventureiro musical metido a rockstar daria conta do ofício. McBride, ao contrário, mostrou técnica e carisma, o que são preceitos básicos para se firmar numa banda de alto padrão como o Purple.

Foto: Ricardo Matsukawa

O Scorpions é praticamente prata da casa, uma vez que é um dos grupos de rock que mais visitou o Brasil nos últimos anos. No entanto, isso não é motivo para dar de ombros ao público e abordar a apresentação como sucesso garantido e vacilar numa performance morna.

E é lógico que Klaus Meine, Rudolf Schenker e companhia jamais cometeriam tamanha irresponsabilidade e desprezo! Sustentada pela esperta simbiose entre o novo e o clássico, o setlist da banda agradou gregos e troianos, onde pérolas como The Zoo, Bad Boys Running Wild, Send Me an Angel, Blackout, Big City Nights, Wind of Change, Still Loving You e Rock You Like a Hurricane se entrelaçaram às novatas Gas in the Tank, Peacemaker, Rock Believer e Seventh Sun e provaram que os alemães têm muito gás no tanque e estão dispostos usá-lo para celebrar uma carreira que passou da incrível marca de cindo décadas.

Foto: Ricardo Matsukawa

“You wanted the best, you got the best, the hottest band in the world: KISS”. A frase é emblemática e já foi falada dezenas de milhares de vezes, porém, fora a última vez que o público paulistano pôde testemunhar as incríveis palavras proferidas antes do espetáculo da banda mais quente do mundo. Com casa em sua lotação máxima, o KISS ostentou, mais uma vez, a razão de ser considerado um dos maiores espetáculo do planeta.

Os aparatos cênicos como as plataformas, roupas espalhafatosas, pirotecnia, jogos de luzes e imagens exibidas nos telões em sintonia ao teor lírico das canções, tirolesa, chuva de papel picado e serpentina, entre outros atributos circenses se fizeram presentes e abrilhantaram deliberadamente a apresentação dos quatro mascarados.

Entretanto, de nada seria útil tais artifícios teatrais se o grupo não tivesse uma matéria-prima de ímpar qualidade, ou seja, uma música caprichada, que fosse o elemento base e o fio condutor de toda sua performance. Seria uma arte sem substância e jamais contemplaria a longevidade que o KISS goza, tampouco seria aclamado por milhões de fãs o redor do globo.

Apesar de horas e horas em pé, calor intenso durante o dia, brisa fria à noite e o cansaço que sempre cisma bater à porta, o KISS Army paulistano não cedeu aos caprichos da fadiga e envolveu-se por inteiro na apresentação de Paul Stanley (vocal e guitarra), Gene Simmons (baixo e vocal), Tommy Thayer (guitarra e vocal) e Eric Singer (bateria e vocal) e provou que São Paulo é definitivamente a cidade do rock.

Clássicos como Detroit Rock City, Deuce, Shout It Out Loud, Cold Gin, God of Thunder, Love Gun, I Love It Loud, Calling Dr. Love, Black Diamond, Do You Love Me e Rock and Roll All Nite garantiram os aplausos, coro e claro, carinho da plateia. Temas como Say Yeah, Makin’ Love e Heaven’s on Fire também foram completadas no atual repertório do grupo e mostraram que o KISS possui inúmeras cartas na manga caso queira sair da zona de conforto.

Foto: Ricardo Matsukawa
Foto: Ricardo Matsukawa

Em pouco menos de duas horas de apresentação, a banda mais quente do mundo reivindicou o posto de vanguarda na concorrida hierarquia do rock e metal e o fez da forma mais honesta e decente, exibindo, por exemplo, suas fragilidades técnicas como desafinação de Stanley e Simmons e notas mascadas e bends desafinados de Thayer. No entanto, no caso do KISS, esses aspectos se tornam meras perfumarias e nenhuma alteração ao incrível saldo positivo do show e, obviamente, de sua carreira, são percebidas em virtude de tais deslizes.

Depois de doze horas de muitos riffs e solos, o Monsters of Rock 2023 chegou ao fim com toda pinta que vai voltar à agenda cultural oficial da cidade. E mais, o festival fora a maior prova que São Paulo é a cidade do rock, além disso, veio provar aos algozes e críticos da música pesada que o gênero musical mais popular do planeta vai sempre se manter vivo, vibrante e poderoso para o infinito e além.

2 comentários em “Monsters of Rock 2023: A sétima edição é a maior prova que São Paulo é a cidade do rock”

  1. Matéria sobre o Moster of Rock 2023, linda, leve. Com um cuidado carinhoso de dar todo crédito as bandas e seus integrantes. Jornalista Marcelo Prudente teve a fineza de exaltar todos integrantes apesar de suas dificuldades. Amei, li a matéria com um sorriso no rosto, já que estive no show e vi de perto tudo isso. Parabéns, valeu.

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  2. O amigo só se esqueceu de comentar a incrível performance (e roubada de cena) do grande Don Airey com sua técnica e carisma. Mas no geral, descreveu muito bem o que foi o esse inesquecível 22/04/2023. Um Monsters of Rock pra ficar na memória e na história.

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