Sepultura em Juiz de Fora: Grupo prova que está saindo de cena por determinação própria e não porque é decadente

Quando no começo dos anos 80 quatro moleques começaram a fazer um som como uma forma de entretenimento e curtição e como uma inteligente e saudável maneira de matar o tempo, eles não imaginaram – e nem a gente, diga-se de passagem – que iam mudar os rumos do rock n’ roll e heavy metal brasileiro.

O nome escolhido pelos espinhentos guris foi Sepultura, o que já foi o primeiro acerto, pois é uma alcunha forte, sonora e em português, ou seja, ficaram longe daqueles famigerados, insípidos e tolos nomes gerados por palavras em inglês.

Sepultura, que tem o peculiar significado de ser o local onde se enterra os cadáveres, é uma marca de fácil identificação com o público nacional. Com tal nome, é simplesmente impossível não ter a ideia e conceito sonoro de qual é a essência da banda, é bater o olho e o ouvido e saber que o som é peso-pesado. Já para os gringos, o epíteto também se tornou uma forma de conhecer uma palavra interessante em português.

O segundo acerto dos garotos, que fora o mais importante, a propósito, residiu no setor sonoro: os caras pegaram a base do que já era extremo no metal – vide Slayer, Possessed, Motörhead, Black Sabbath, Venom, entre outros -, e fundiu às suas próprias vivências e bagagens culturais. É lógico que tudo isso levou tempo, não foi da noite para o dia, mas, em poucas palavras, o curso da história seguiu tais passos.

Ficar repassando ponto a ponto os sucessos, destaques e a gigantesca influência do Sepultura para a cena heavy metal é desnecessário, quiçá secundário, já que basta correr superficialmente os olhos pela história da música pesada para ver sua importância e seu prestígio.

Mas ainda não sacou a relevância do quarteto e quer um sentido mais prático da coisa? Ok! O Sepultura ajudou a definir os rumos do heavy metal na década de 1990 e foi o pano de fundo para grupos platinados como Korn, Slipknot, Machine Head, Deftones e outras.

Celebrating Life Through Death Tour

Contudo, depois de quarenta anos de carreira, a banda está saindo de cena, está se aposentando dos palcos, estúdios e tudo mais que envolva o dia a dia de um conjunto metal. Então, como uma forma agradecimento e celebração à música e aos fãs, o quarteto embarcou em longa turnê de despedida, que irá contemplar América Latina, Estados Unidos e Europa – pelo menos até o momento.

Juiz de Fora

Neste sábado (02) rolou em Juiz de Fora, Minas Gerais, no Cultural Bar, o segundo show da tour e o grupo, que atualmente é formado por Andreas Kisser (guitarra), Derrick Green (vocal), Greyson Nekrutman (bateria) e Paulo Xisto Jr. (baixo), provou que o quê sepultura reside apenas em seu nome, visto que está mais vivo do que nunca.

Para estabelecer o teor da noite, os distintos cavalheiros começaram o pandemônio sonoro pontualmente às 21h e com a trinca arrasa quarteirão formada por Refuse/Resist, Territory e Slave New World. Se existisse alguém no recinto reticente ou com alguma pulga atrás da orelha em relação ao Sepultura 2024, toda a incerteza caiu por terra ao som dos poderosos riffs do citado triunvirato.

Depois disso, com o jogo ganho, a apresentação, que estava sendo apreciada por uma casa cheia, foi um passeio pelas quatro décadas de thrash/death made in Brasil. Lá dos confins oitentistas saíram Escape to the Void e Troops of Doom; da fase áurea vieram Ratamahatta, Roots Bloody Roots, Arise, Biotech Is Godzilla e Kaiowas; já as décadas de 2000 e 2010 tiveram as suas representantes de peso como Sepulnation, Choke, False, Kairos e Mind War.

Andreas é um líder nato, é o cara que passa segurança e precisão dentro e fora do palco. No campo musical, o artista não usa a guitarra como um mero dispositivo distorcido para dar um rompante pujante ao som, tampouco usa as canções como molduras para suas acrobacias no instrumento. Kisser atua para o todo, a sua mão rítmica, por exemplo, confere uma extensão para o que é feito lá atrás, no kit de bateria.

E por falar em bateria, o norte-americano Greyson Nekrutman chegou com a complicada responsabilidade de substituir o virtuoso Eloy Casagrande, que deixou a turma em apuros ao anunciar sua saída de forma repentina e às vésperas da tour.

Ao vivo, o jovem músico esbanjou muita técnica, personalidade e energia, que são atributos elementares para dar vida ao som do Sepultura. Ao contrário do que as línguas ferinas e peçonhentas de algumas pessoas vêm propagando, Nekrutman mostrou muita segurança em sua performance e provou por A mais B que fora o nome certo para segurar tal responsabilidade. O tempo irá apurar ainda mais as suas qualidades como instrumentista e uma apresentação de noventa minutos será como um passeio no parque ao garoto.

Paulo seguiu o padrão mineiro: come quieto, isto é, fez o seu muito bem feito e sem alardes. Green, ao longo dos anos, aprimorou seus dotes como frontman, com isso entregou o esperado: performance forte e vigorosa, além disso, se mostrou mais comunicativo e perspicaz à interação com o público; sem contar as piadas que soltou durante o espetáculo, o que deixou o clima ainda mais intimista e divertido.

É imperativo ressaltar a produção de palco, que ficou caprichada e repleta de imagens em comum acordo com o teor sonoro apresentado pelo quarteto. Som alto e nítido também colaboraram para o saldo positivo da noite.

De volta ao arrasta pé, a fase mais sofisticada da banda, que está na conta dos poderosos Machine Messiah (2017) e Quadra (2020), foi representada por Agony of Defeat, Guardians of Earth, Means to an End e Phantom Self.

Em uma hora e meia de espetáculo, o Sepultura tratou de rememorar o porquê de ser a maior banda de heavy metal do Brasil e fundamentou que está saindo de cena por determinação própria, e não porque é um grupo decadente, sem público e que fica arrastando corrente pelos corredores da cena metal – como muitos por aí que ainda cismam em nos assombrar. O Sepultura do Brasil vai deixar saudade.

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