Iaron Barbosa: A Arte De Ser Luthier

A palavra e profissão luthier poderia fácil, fácil, ter como palavras sinônimas a dedicação, devotamento, paixão, entre outras, visto que todos os termos anteriormente citados estão impregnados no DNA da palavra, profissão e, principalmente, no profissional o qual se propõe a seguir tal carreira. E é exatamente esse código genético de paixão, dedicação e zelo pela luteria que o luthier carioca, Iaron Barbosa, mostrou na amistosa entrevista concedida ao RockBizz. Na conversa a seguir, Iaron rememora o começo de carreira; os inúmeros desafios enfrentados e superados; a criação do estúdio, loja, estúdio e escola, EarOn e, principalmente, deixa claro o porquê der ser uma dos mais requisitados e bem quistos luthiers do Rio de Janeiro. Com a palavra, Iaron Barbosa… 

Como surgiu o seu interesse pela luteria? Houve que tipo de estímulo para que você seguisse a profissão de luthier?

Iaron Barbosa: Cara, eu comecei a trabalhar com luteria meio que por acaso, me jogaram nessa! Eu caí de paraquedas sem nenhuma preparação. O que aconteceu foi o seguinte: eu prestei serviço para Casa da Música (loja de instrumentos musicais) quando fiquei desempregado, e quem fazia esse serviço de regulagens, troca de “coisinhas”, parte elétrica e pestana lá era o Japão (Ronaldo Ferreira Lima), só que ele vendia, montava som e tal, então, por estar sobrecarregado acabou que sobrou para mim essa função. A loja me convidou para trabalhar na área e eu nem sabia que era para isso, e assim foi o começo de tudo.

Mas sua formação teórica te possibilitava trabalhar nessa área?

 Iaron: Eu não sabia, mas me possibilitava, sim, porque eu tinha feito cursos de eletricidade, tinha uma base boa de eletrônica e fiz ajustagem mecânica no SENAI, também. Na verdade, eu fiz eletromecânica no SENAI, sendo que uma das matérias era ajustagem mecânica, então, conseguia trabalhar com limas também.

Depois, eu fui ver que tudo aquilo que eu aprendi no SENAI foi fundamental para o que eu faço hoje em dia. Isso me deu base para mexer com furadeiras, limas em geral e, apesar de eu não ter feito oficina mecânica, fiz estágio. O curso tinha 32 alunos e as oito melhores notas ganhavam estágio na LIGHT, e eu fiquei em sexto lugar, se não me engano, então, fiz o estágio. No estágio, você podia ficar na oficina mecânica ou na oficina elétrica, ou seis meses em cada. Eu só fiquei na oficina elétrica, não quis parte de mecânica.

E na época como a música tomava proporção na vida?

Iaron: A minha família é cristã, evangélica, e todos os meus tios e avós eram cantores de coral na igreja, e meu tio tocava sax e flauta na orquestra da igreja. Minha avó diz que eu pedia para ela para eu ficar na galeria da igreja em frente à orquestra para assistir o pessoal tocar.

Em 2002, minha avó vendeu a casa que ela tinha no Rio de janeiro e comprou um sítio em Piraí (Município do Vale do Paraíba Fluminense), nessa época eu estava com 12 anos. Como eu disse, a minha família sempre foi muito religiosa, com isso, começou a rolar uma igrejinha no sítio, e foi lá que eu comecei a aprender tocar e cantar também, e depois que você começa não para mais na música, aí fui fazer cursos, ou seja, respirava música o dia inteiro, sempre agarrado num instrumento. Hoje em dia, eu fico agarrado no instrumento, mas de uma maneira diferente, eu cuido do instrumento.

Acredito que os primeiros passos na profissão sejam bem desafiadores, visto que a área envolve conhecimentos que variam desde eletrônica e eletromecânica a design, por exemplo.

Iaron: Muito! Mas foi muito prazeroso já que a Casa da Música é uma loja muito grande, e entrar lá foi bem legal. E não foi muito difícil juntar as coisas, eu só não tinha ideia de que essas áreas poderiam se juntar. Os cursos que eu fiz de AutoCAD para desenho, por exemplo, me possibilitaram ter a interpretação de desenhos, pegar o esquema elétrico de um instrumento e olhá-lo e saber o que está acontecendo. Além disso, saber manusear lima e ferramenta foi fundamental, mas eu não sabia que isso poderia estar ligado, então, fui aprender a ajuntar todas essas coisas na Casa da Música, onde o volume de instrumento era gigantesco, todos os dias.

Sentiu-se intimidado em algum momento por ser jogado, de certa forma, em uma área nova, ter esse grande volume de trabalho e ter diferentes demandas de trabalho, visto que sempre surgia um problema diferente para resolver?

Iaron: Eu não sei se intimidado é a palavra correta, mas lógico que algumas coisas assustaram! Eu diria que desafiado o tempo inteiro! Eu fui mostrando o conhecimento que tinha e pesquisava mais sobre som e música, com isso, fui entendendo mais sobre a área. Eu sempre fui muito responsável, cumpria meus horários e fazia meus serviços com dedicação, aí eles gostaram e fui me desenvolvendo a cada dia mais.

Você estava certo que era isso o que você queria como profissão?

Iaron: Cara, não! Eu precisava era trabalhar mesmo, precisava da grana. E eu não fui convidado para trabalhar nessa área, mas, sim, para ser auxiliar do Japão.

O Japão já sabia desse seu conhecimento prévio?

Iaron: Ele sabia que eu tocava. Eu tinha um currículo razoavelmente bom, mas não tinha faculdade ainda.

Mas nessa parte técnica de reparo?

Iaron: Não! Sabia que eu tinha algumas noções, habilidade com ferramentas e eficiência. Lógico que algumas coisas eu demorava mais, eu faço, hoje, uma pestana em 20 minutos, sendo que na primeira vez eu demorei umas duas horas, afinal, existem imperfeições que vamos abandonando e vamos nos lapidando.

earon-01
Foto: Livia Teles

Você estudou na conceituada B&H Luthieria, que é uma das mais prestigiadas escolas de luteria no Brasil. Como foi essa experiência? E ter contato com profissionais como Henry Ho e Márcio Benedetti?

Iaron: O Henry é uma pessoa maravilhosa, e eu queria ter feito o curso com ele! Eu teria terminado o curso se tivesse feito com o Henry, mas com o Benedetti eu não terminei.

Verdade! Muitas bandas, inclusive gringas, requisitam o trabalho do Henry.

Iaron: Sim! É hiper-requisitado. O trabalho dele é, realmente, muito bom.

O que você pôde absorver da parte técnica da área lá na B&H?

Iaron: Cara, com sinceridade, o que serviu para mim foi aprender não ter medo de construir e mais nada. Manusear as ferramentas, eu já sabia; usar os templates, também; eu só não tinha coragem de começar a construir um instrumento.

Você não se julgava capaz?

Iaron: Não, eu não me julgava capaz! Precisava acreditar que eu conseguiria fazer, tanto que comecei a fazer várias coisas na guitarra aqui (EarOn), como por exemplo traste e acabamento.

earon-02
Foto: Livia Teles

Você acompanha a coluna dele na revista Guitar Player?

Iaron: Não acompanho, não! Eu abandonei essas revistas. Eu assinava Audio Stage, Audio Music e Tecnologia, Guitar player, Bass player, mas fui abandonando aos poucos.

Por quê?

Iaron: Não tenho tempo! É o dia inteiro aqui na oficina, e as novidades que vão pintando são os clientes que vão trazendo para mim ou eu dou uma pesquisada quando um cliente me pergunta algo que eu não sei. As coisas que têm de novidades são coisas antigas de uma forma modernizada, sendo um melhoramento do que já existe.

Pegando como gancho o tema de escola, você já considerou montar turma, passar seu conhecimento adiante?

Iaron: Eu me considero muito pequeno ainda. Depois que eu tiver uns dez anos de experiência, eu acho que posso até ter essa situação de passar regulagem e tal.

Mas você não acha que cai num espiral, onde você atinge tal patamar irá vislumbrar outro e nunca se sentirá pronto?

Iaron: Isso vai acontecer! Eu sou muito realizado, amo meu trabalho, mas não satisfeito, quero sempre melhorar. Mas há uma base, sim, em que você pode se sustentar para passar o conhecimento para as pessoas. Eu não me considero nem um luthier, honrando o nome, sabe? Um construtor mesmo! Eu me considero um guitar tech, por mais que eu tenha um pouco mais de experiência do que um guitar tech, afinal, faço serviços bem complexos que são dignos de quem já trabalha com madeira mesmo, por conta do Barros. Eu aprendi muito mais coisa com ele aqui, em Volta Redonda (Município do Sul do Estado do Rio), do que na B&H.

Como foi seu estudo com o luthier Maurício Barros?

Iaron: O Barros nunca negou conhecimento, tudo que eu preciso ele me passa. Eu cheguei a começar a fazer um violão com ele e não tive condições, porque ele não me cobrou o ensino, mas o instrumento. É um instrumento que custa cinco mil reais, ou seja, não é fácil pagá-lo por mais que ele tenha deixado em aberto à forma de pagamento. Mas meu aprendizado como troca de traste, acabamentos de madeira e escala, eu aprendi com ele.

Você comentou há pouco seu conhecimento como guitar tech. Já considerou entrar nesse mercado dando amparo às bandas nacionais e até internacionais? 

Iaron: Nunca pensei no assunto. Hoje meu objetivo é dedicar metade do tempo para construção e a outra metade para oficina. Não quero mais chamar de luteria, quero ter duas empresas separadas: uma de construção e outra de assistência técnica. Quero ter um período dedicado à confecção e outro à manutenção. Esse é o principal objetivo e está perto de se realizar.

Você vislumbra isso para quando?

Iaron: Acredito que a partir de fevereiro ou março de 2017. Estou dependendo de ter um lugar para poder separar oficina e assistência, preciso ter uma área dedicada à sujeira de madeira e outra para pintura, visto que precisa de um ambiente especial para isso. Eu me considero, hoje, um profissional muito bom e sou excelente aos olhos dos meus clientes, mas quero ser excelente sob meu olhar, sabe?

Isso é muito importante, mas acho que uma das principais aprovações que você possa ter é do seu cliente e do seu mercado.

Iaron: Sim! Mas o cliente pode fazer você se acomodar, porque ele vem aqui uma vez a cada seis meses para fazer um serviço e sempre vai achar o local bonito, as ferramentas legais e o espaço bacana, mas só eu sei onde está faltando cada coisa. Sempre quando eu sinto que está faltando alguma coisa eu busco resolver. Como eu senti que estava faltando um software para controlar meus clientes e ordens de serviço, por exemplo, e fui lá e comprei, ou seja, é melhorar a cada dia. É como o Barros fala: ‘Pro cara virar luthier, são 10 anos no mínimo’.

Você também estudou com o Leandro Mombach, não é?

Iaron: O Leandro foi quem me fez abrir a oficina, cara! Ele é genial, um gênio e um doce de pessoa.

Como foi o contato e estudar com ele?

Iaron: Teve um fórum de música em Vassouras de violino, baixo, musicalização, harpa e luteria com o Leandro Mombach e tinha também o workshop de manutenção e regulagens de instrumentos de arco. E eu não tinha a mínima ideia de quem era o Leandro Mombach, mas eu pesquisei e vi que o cara era um dos maiores luthiers do Brasil, de renome internacional e premiado fora do país como construtor. Eu vi os trabalhos do cara e fiquei louco! Nessa época, a Casa da Música começou a não me liberar para fazer serviços que eu já sabia fazer, então, teve esse fórum que eu pirei porque eu não tinha ideia de como mexer num instrumento de arco (violino, violoncelo, baixo acústico).

O fórum ia durar uns três ou quatro dias, mas o pessoal da loja não me liberou, e olha que eu avisei muito antes sobre o evento, mas eu faltei e fiz o curso do Leandro. Ele abriu minha mente, cara. Pô, eu quero crescer, a loja não me deixava, aí fui abrir uma oficina para mim.

Você já tinha o termômetro de mercado procurando seu trabalho.

Iaron: Exatamente! O cliente chegava à loja e queria falar comigo.

O público de guitarra gosta de conversar com alguém que tenha conhecimento técnico e que passa segurança no trabalho que realiza.

Iaron: A galera já sabia que eu não dependia de comissão pelo fato de ser técnico. Eu não era vendedor, ou seja, eu sempre fui honesto com o cliente e não empurrava nada para ele. Aí teve o curso com o Mombach, onde ele me falou: “Se você for honesto, dedicado, cumprir os prazos e não for picarethier (luthier picareta), não tem como dar errado”.

Foi o empurrão que você estava precisando?

Iaron: Sim! Foi importante o que ele falou e entrou no meu coração. Depois disso, eu comecei me preparar.

Você ainda mantém contato com o Mombach?

Iaron: Tive contato há alguns meses atrás, tirando dúvidas até.

estudio
Foto: Leonardo Necas

O serviço prestado na EarOn tem o foco na luteria, mas vai muito além com o estúdio para gravações e ensaios; a loja com os mais variados produtos voltados à área musical e a escola de música, ou seja, você montou uma espécie de parque de diversão para os músicos e amantes de música. 

Iaron: Eu só atendia músicos de instrumentos de corda e eu queria aumentar isso, atendendo bandas e acompanhantes, com isso, surgiu à oportunidade do imóvel e oferecer um serviço completo aos clientes.

Você fechou parceria com a empresa Takamine, conte como aconteceu essa parceria?

Iaron: A Soul Music que solicitou para mim e perguntou se eu estava a fim de pegar a assistência da Takamine. Depois disso, eles entraram em contato e tudo correu de forma bem simples.

Você é o único profissional do estado que presta assistência aos produtos da Takamine?

Iaron: Eu não sei quantos profissionais há no estado, acho que tem uns três ou quatro.

Isso é uma coisa muito boa, afinal, você representa uma das principais marcas de instrumentos musicais do mundo.

Iaron: Para mim é muito legal! Eu já prestei assistência a uns vinte instrumentos da Takamine e todos esses trabalhos deram certo.

E essa parceria poderá abrir outras portas para novas parcerias desse porte.

Iaron: Na Expomusic, eu fechei algumas e já há quatro ou cinco assistências meio que engatilhadas.

earon-03
Foto: Livia Teles

Como é a relação dos profissionais dessa área com o poder público? Existe um incentivo?

Iaron: Se tem um incentivo, eu ainda não recebi, não. Ninguém facilita, não! Pelo contrário, as barreiras são grandes.

Lamentável! Por se tratar de uma profissão intimamente ligada à cultura deveria ter inúmeros incentivos por conta do poder público.

Iaron: Acho que isso seria importante, como se fosse, por exemplo, uma coisa anexa ao SENAI do jeito que tem panificação, fotografia e desenho, ter também a confecção de instrumentos, mas é difícil, você não consegue levar teatro e música que é muito mais simples e não exige ferramentas e espaço adequado, o que dirá montar uma oficina de vinte mil reais.

Eu penso em fazer no futuro, depois de me estabilizar, algo voltado aos mais necessitados. Eu acho que depois que você alcança seus objetivos, ganha dinheiro e se estabiliza, pode fazer um projeto desse ganhar vida. Eu estou aqui para ganhar dinheiro, não venho aqui todo dia só para mexer em instrumento e ficar feliz, mas, além do lucro, eu quero fazer as pessoas sentirem prazer com a música, e tem gente que não tem condições, então, a ideia é fazer doações de instrumentos. Além disso, há a parte da escola, onde a cada vinte alunos, eu darei uma bolsa.

E como você vê o futuro da profissão?

Iaron: Tem uns caras que são muito bons, a nível mundial, e outros que estragam o nome da profissão.

E a EarOn a médio e longo prazo?

Iaron: Eu pretendo em longo prazo ter a minha linha de instrumentos, confeccionados por mim, e me dedicar mais e mais à profissão.

O foco será instrumentos acústicos?

Iaron: Primeiro, o foco será em instrumentos maciços, os acústicos o buraco é mais embaixo! Os instrumentos acústicos como violão, viola, cavaquinho e bandolim são de outro universo, é um universo que eu conheço, mas não domino. Mesmo com as melhores madeiras, o instrumento tem que ter colagem, distância e emenda correta, e caso não tiver, vai dar errado. Eu penso no instrumento acústico quando completar os 10 anos de carreira que o Barros falou.

Obrigado pela entrevista, o espaço é seu para fazer suas considerações finais.

Iaron: Obrigado pelo espaço! Eu gostaria de tornar isso aqui mais conhecido, tem gente que não sabe que existe um profissional que cuida de instrumento musical e leva no marceneiro, e isso acontece muito, cara. Meu objetivo é honrar o nome e a profissão de luthier.

Colaboração: Livia Teles

Deixe um comentário (mensagens ofensivas não serão aprovadas)