Como O Poison Superou O Mar De Críticas Para Se Tornar A Última Grande Banda Do Rock Farofa Na Ativa

Por Erik Hedegaard
Fonte: Rolling Stone

Em uma sala dentro de uma arena na cidade norte-americana de Manchester, New Hampshire, os integrantes do grupo de glam metal oitentista Poison estão conversando sobre as regras do tradicional encontro com os fãs, todos aparentando entusiasmo, mas apenas um deles colocando coração e alma naquilo. É Bret Michaels, de 54 anos, vocalista e principal atração do Poison, um cara bem-humorado e agitado que ama, acima de tudo, incendiar a plateia em nome de sua banda. O Poison é um exemplo improvável de perseverança – contra todas as probabilidades (vício em cocaína, brigas feias entre os membros, colisão da Ferrari de Michaels contra um poste, o de sempre), nunca se separou.

“Pois é, cara. Outro dia mesmo falei para o Vince [Neil, vocalista do finado Mötley Crüe]: ‘Vince, junte a banda de novo e faça shows três meses depois’”, diz Michaels. “Ele respondeu: ‘Não, acabou mesmo, cara. Já deu’. Sabe, só pensei mesmo nisso agora, mas daquela época realmente somos a última banda restante.”

Ao longo do caminho, claro, quase chegaram ao fim em vários momentos. No começo, depois de estourar com o primeiro álbum, Look What the Cat Dragged In (1986), que gerou três singles de sucesso, tudo girava em torno dos perigos de uma vida de excessos. Mais recentemente, a questão foi basicamente o desejo de Michaels de fazer uma turnê solo, deixando o guitarrista, C.C. DeVille, o baixista, Bobby Dall, e o baterista, Rikki Rockett, coçando a cabeça e sem saber o que aconteceria. Então, há dois anos, Rockett teve um câncer (hoje, está curado). Na última década, o próprio Michaels teve um problema de saúde atrás do outro, o maior deles tendo sido uma hemorragia cerebral que quase o matou em 2010.

No entanto, hoje ele parece bastante empolgado, com seu característico cabelo supercomprido (metade natural, metade feito “das melhores extensões europeias que o dinheiro pode comprar”) preso pela bandana e pelo habitual chapéu de caubói. Ele vagueia pela sala cheio de energia hiperativa e sorrisos enormes, enquanto os membros da banda cumprimentam os fãs e fazem poses de deuses do rock para fotos em grupo.

Depois, Michaels vai para o camarim, onde uma dose de uísque Jameson o aguarda em um copo vermelho. Ele manda ver. Sempre gosta de tomar uma ou duas doses antes dos shows. “É meu ritual”, afirma. “Me deixa aceso, me faz sentir um cara do rock e fico bem.”

Ele enfia os pés dentro de um par de tênis de pele de leopardo feito sob medida (“Tem de haver pele de leopardo no rock”), corre para o banheiro para aplicar delineador (o último vestígio dos primeiros dias da farofa do hair metal) e junta DeVille (55 anos, olhos malucos, apressado), Dall (53, tranquilo, meio hipster) e Rockett (55, simpático, o cara mais legal) em um abraço em círculo.

“Olha”, ele começa, “só quero dizer: Deus, vamos fazer um show incrível e obrigado por nos dar a saúde do Rikki e todas as grandes harmonias, e Deus nos dê a serenidade para aceitar as coisas que não podemos mudar… amém. Vamos mandar ver. Ok, agora preciso de mais uma dose de Jameson antes de começar”.

Alguns momentos depois, os quatro estão no palco, juntos pela primeira vez em cinco anos como o Poison, tocando os acordes iniciais de “Look What the Cat Dragged In”.

De todas as bandas de glam que saíram da Sunset Strip, em Hollywood, nos anos 1980 – como Ratt, Dokken, Stryper, Mötley Crüe, Warrant e milhares de outras –, nenhuma foi mais odiada e detonada do que o Poison. Uma resenha de uma estrela dada pela Rolling Stone na época acabou com a música da banda, chamando-a de um compêndio de “clichês flácidos em três acordes”, com letras que se resumiam a “um tour guiado pelo inferno dos bordões do rock”. Ainda assim, eles continuaram bravamente, pegando o visual glamouroso da época e o levando muito além até dos níveis da paródia.

“É o show business”, disse Michaels em 1987. “Queremos que as pessoas se lembrem de nós. E elas se lembram de rapazes maquiados.”

O Poison vendeu mais de 25 milhões dos três primeiros discos – Look What the Cat Dragged In (1986), Open Up and Say… Ahh! (1988) e Flesh & Blood (1990) –, só que a flanela e o grunge tomaram o lugar do glam e do glitter e, com isso, o lugar do Poison no topo. Nos anos que se seguiram, a banda pegou leve na farofa e lançou mais quatro álbuns de estúdio – o último com material original foi Hollyweird (2002) –, mas as vendas foram mornas. No entanto, estão aqui agora, prestes a tocar para os mesmos fãs que, nesse tempo todo, encontraram consolo e alegria na atitude descarada e incansavelmente positiva de Michaels com relação à sua música.

“Você não consegue ficar aqui durante 30 anos por acidente”, ele defende. “Estou confortável sendo quem sou e você precisa ser verdadeiro com quem é. Quando vê um show do Poison, começamos com ‘Cat Dragged In’ e ‘Talk Dirty to Me’, desde sempre. Só quero que todos se divirtam muito. Meu discurso é sempre o mesmo: ‘Mandem ver, sejam reais, mas sejam relevantes’. Não tenho saudade dos dias de glória. Este é meu dia de glória!”

É difícil não gostar de alguém que diz esse tipo de coisa e parece ser sincero, embora tudo talvez seja atuação e ele na verdade seja uma espécie de excelente homem de negócios – o tipo sagaz que assinou contrato para estrelar um reality show brega de namoro chamado Rock of Love with Bret Michaels, que durou três temporadas a partir de 2007, e que, em 2010, venceu o Celebrity Apprentice 3. Além disso, Michaels tem a própria linha de malas, a própria fragrância, a própria linha de roupas para animais de estimação, etc. Nesse sentido, é uma máquina de autocapitalização.

Os amantes do Poison aqui em New Hampshire estão, neste momento, com a atenção voltada para DeVille. Ele está concluindo a cover da banda para “Your Mama Don’t Dance” (do Loggins & Messina) com um extenso solo de guitarra que permite a Michaels sair correndo do palco e entrar em uma sala onde, como faz duas vezes durante qualquer show, espeta o dedo, pinga uma gota de sangue em um medidor de glicose e espera o resultado do teste.

Ele tem diabetes desde os 6 anos e constantemente checa o nível de açúcar no sangue – se está alto demais, injeta insulina em si mesmo; se está baixo demais, toma glicose líquida, como agora. Então, pega um lápis para olho e retoca a maquiagem, borrifa um pouco de colônia Roses and Thorns by Bret Michaels, olha para o espelho para ajeitar a bandana, volta correndo enquanto DeVille toca o potente riff de abertura de “Fallen Angel” e, 20 minutos depois, encerra a noite com “Nothin’ But a Good Time”.

Em 2010, quando a hemorragia cerebral o derrubou, Michaels foi levado de cadeira de rodas para o pronto-socorro e ouviu um médico dizer que, caso tivesse filhos (tem duas meninas, Raine Elizabeth, de 17 anos, e Jorja Bleu, de 12, com Kristi Lynn Gibson), deveria chamá-los imediatamente, já que a chance de morte aparentemente não estava descartada. Mesmo naquele momento, e durante o resto da internação, ele diz que a bandana não saiu da cabeça. É um pouco estranho. Por que faria isso? Um tempo depois, conversando com Oprah Winfrey, explicou a constante presença do acessório da seguinte maneira: “Falei: ‘Se é para morrer, quer morrer como um roqueiro’.”

Depois de um show no cassino Mohegan Sun, em Connecticut, Michaels e os rapazes estão no camarim, enxugando o suor e dando opiniões sobre como foi a apresentação, embora DeVille possa ser ouvido do corredor, gritando sobre como “Papai Noel é Satã. Ambos usam roupa vermelha, você nunca os vê na mesma imagem, são a mesma pessoa”.

Pouco depois, Rockett conta uma história sobre Michaels dos dias pré-glória da banda, quando todos moravam em um armazém no qual “dava para ouvir o outro cara trepando e peidando e tudo o mais” e para onde, uma noite, ele e Michaels levaram duas meninas e começaram a transar. “Então, estou com essa garota e depois de uns três ou quatro minutos ela me diz: ‘Tem alguma coisa errada com seu vocalista?’ Porque o Bret está do outro lado da sala com a menina e ela está choramingando. Fui até lá e ele estava desmaiado, de calça arriada. Dormiu em cima da menina. Então, o agarrei pela calça e pelo colarinho da camiseta e o tirei dali. Foi como separar dois cachorros, entendeu?”

Bem em tempo de pegar o final da história, Michaels se aproxima e diz: “Viu, é assim que começa. Agora vamos nos socar muito. Mas é verdade, realmente apaguei em cima dela”.

Rockett continua: “Só ouvi o choro e ela era pequenininha, acho que asiática, não lembro, mas o Bret não é enorme…”

Michaels interrompe falando alto. “Opa, opa, espera aí”, reclama. “Meça suas palavras. Ok, estou caindo fora. Isso vai dar merda.” Ele realmente sai, mas só consegue ficar longe por pouco tempo até voltar e dizer: “Só quero que você saiba que não desmaiei com todas as groupies, ok? Essa foi a única vez” – depois disso, parece que seu ego não lhe deixa escolha não ser acrescentar: “E depois, bom, acordei e terminei o serviço”.

Rockett está perambulando com uma toalha nos ombros. Gente o cumprimentando e os outros integrantes da banda estão preenchendo o ambiente e parece que ele só quer que todos saiam para poder tomar um banho sossegado. Ninguém se dá conta, o que o força finalmente a dizer: “Ei, alguém quer ver meu pau?”

De repente, a sala esvazia e só Michaels fica para trás, dizendo: “Quer dizer, esta banda deveria estar morta e enterrada faz tempo, mas não está. Somos uma banda norte-americana de rock cheia de suor, suja, e estamos prosperando e sobrevivendo”. Ele prossegue, sem prestar atenção à ameaça de Rockett, porque é o último dos astros de rock da era do glam metal e, sem ele, ninguém daria a mínima para o pau do baterista.

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