Borknagar: Talento E Simpatia A Serviço Do Black Metal

O tempo não tinha sido muito aprazível com os fãs brasileiros da banda Borknagar, já que o grupo levou duas décadas para aportar em terras brazucas e matar o anseio do público em prestigiar uma das maiores bandas do black metal em ação.

A espera compensou, já que os nórdicos debutaram no país com duas apresentações majestosas – 24/03 no Rio de Janeiro e 22/03 em São Paulo. E para registrar esse marco; saber tudo e mais um pouco sobre o novo álbum de estúdio, Winter Thrice (lançamento nacional via Heavy Metal Rock); participações especiais no disco; o atual momento da banda e muito mais, que o RockBizz foi bater um amistoso papo com o líder, talentoso e gente finíssima Øystein G. Brun. Dá tempo, vai lá e coloca Winter Thrice pra tocar e aprecie sem moderação o novo disco do Borknagar, bem como a entrevista a seguir.

Por que vocês demoraram tanto tempo para vir ao Brasil?

Øystein G. Brun: Boa pergunta! Provavelmente eu não tenha uma resposta simples para essa pergunta, mas nós tínhamos uma turnê planejada em 2010, estávamos preparados e ensaiados para a turnê, no entanto, alguns shows da turnê foram cancelados e o boato que circulava era que não era seguro para nós viajarmos, já que o produtor tinha sumido com todo o dinheiro. Foi um negócio sujo! Nós descobrimos pouco tempo antes da data em que tínhamos que viajar. Infelizmente aconteceu isso, nós queríamos muito fazer aquela turnê pela América do Sul. Bem, passaram-se sete anos, e aqui estamos nós, finalmente!

A gente trabalha; ou pelo menos, planeja; isso há um bom tempo, e já comentei muito em entrevistas anteriores sobre a minha grande vontade de vir à América do Sul. Nós já excursionamos pelos EUA e Europa, ou seja, fizemos a maioria das rotas de turnê, mas não tínhamos excursionado pela América do Sul, e para mim é mais que uma viagem ou aventura, é algo muito importante.

 Vocês tocaram há dois dias em São Paulo. O que vocês acharam?

 Øystein: Foi incrível e a plateia foi maravilhosa! Eu acredito que eu não tenha experimentado um público tão apaixonado, todo mundo estava conectado à música e cantando todas as letras. A gente sentia aquela força das pessoas cantando as músicas, vinha uma onda de energia em nossa direção enquanto nós tocávamos o que foi fascinante.

O show foi ótimo, nós tocamos bem e passamos o resto da noite conversando com o pessoal, dando autógrafos e tirando fotos, o que, para mim, é até estranho, já que eu sou do interior, fico lá na minha em meu estúdio, e chego aqui às pessoas gostam de mim e da minha música, e mais, compartilham suas vidas e histórias comigo. Isso tem muito significado e é o quê de tudo, em minha opinião.

Música, na minha visão, não é para fazer dinheiro, ser famoso ou ganhar todo tipo de publicidade, é muito mais que isso! Eu faço música desde os meus catorze anos de idade, mais ou menos, então, estar aqui agora, vinte e cinco anos depois, absorvendo todo esse sentimento da música que eu fiz e vendo todo esse impacto nas pessoas é maravilhoso, e não importa se tenha dez ou mil pessoas, o que conta é a paixão. Quanto mais envelheço e tenho mais experiência como músico, vejo que a música é uma língua universal e pode conectar as pessoas, e não importa qual o tipo de religião, vivência ou vida que você tenha, nós temos algo em comum e é a música.

A gente vê tanta coisa acontecendo no mundo, então, acredito que seja mais importante do que nunca ter algo que nos unifica, e a música é essa força que uni as pessoas. Nós podemos discordar com tudo nesse mundo, mas se compartilharmos do mesmo gosto musical, isso irá nos unir.

Concordo com você! Além disso, a música é capaz de nos dar ânimo e energia para fazermos as coisas do nosso cotidiano.

Øystein: Isso é uma das coisas que acho mais especial na música! Todas as formas de artes são inspiradoras, mas a música, o som, tem um poder muito grande sob as pessoas, sendo uma droga numa forma positiva; ou um combustível. A música tem muitas qualidades e, em minha opinião como músico, a considero muito poderosa e nos possibilita expressarmos, comunicarmos e mantermos o mundo em movimento.

Faz um ano desde que Winter Thrice foi lançado. Como tem sido o feedback até agora?

Øystein: Tem sido maravilhoso, eu diria! Lógico que haverá pessoas que gostaram e há aquelas que vão preferir o álbum anterior, ou mesmo o nosso primeiro disco, por exemplo, mas de maneira geral o feedback tem sido ótimo. Winter Thrice alcançou boas posições nas paradas alemãs, suíças, finlandesas e norte-americanas. Além disso, a respostas da mídia tem sido muito boa.

A resposta positiva ao álbum tem sido maior do que vocês imaginavam?

Øystein: Na verdade, eu não tenho nenhuma expectativa em relação a minha música. Eu não exijo nada! Eu espero, mas jamais crio expectativas, a não ser vir à América do Sul. Eu espero que boas coisas aconteçam, bons momentos, ótimo público, mas não crio expectativas. Mas a resposta tem sido ótima, o show de São Paulo, por exemplo, estava lotado e os fãs estavam muito loucos, em um bom sentido, o que me forçou a dar tudo de mim.

Funciona como uma energia para vocês, não é mesmo?

Øystein: Com certeza! E não é porque me sinto um rockstar ou algo do tipo, mas eu vou para o meu estúdio, que fica bem ao norte da Noruega, para fazer música e depois vejo a minha arte receber esse tipo interação dos fãs é algo muito inspirador.

Qual o significado por trás do título do novo álbum?

Øystein: Como sempre, nós gostamos de escrever sobre coisas diferentes. Eu, particularmente, gosto de escrever letras dinâmicas em que não há um significado específico. Eu não gosto de letras que funcionam como uma placa de trânsito, onde possui aquele significado engessado. Curto escrever sobre coisas que faz as pessoas refletirem, pensarem e ponderarem sobre várias coisas. Nós não queremos ser uma banda que escreve sobre política, religião ou algo parecido, queremos manter nossa música independente desses temas.

Eu sempre me senti atraído por escrever letras sobre a natureza, gosto de mostrar um pouco de sua beleza em minhas músicas. Gosto de falar sobre o ciclo de vida, por exemplo, que é, em minha opinião, fascinante e uma das coisas mais básicas em nossas vidas. A gente usa outras estruturas para nos expressar, mas, para mim, é mais natural escrever sobre natureza.

Eu fui criado e vivo muito perto da natureza, e me lembro de ir para floresta, ainda muito jovem, e admirar todo aquele ambiente. Eu ainda faço esse tipo de coisa, principalmente quando estou vivendo algum período difícil ou quando preciso recarregar minhas energias. Eu fico em contato com a natureza. Essa é minha forma de refletir sobre as coisas e me expressar.

De volta à Winter Thrice, há um ar negativo no conteúdo lírico do disco, mas tem mais a ver com a essência da vida, com os altos e baixos da vida, o ciclo da vida, então, sendo esse o significado do título.

Como vocês conseguem lidar com tantos cantores talentosos em estúdio?

Øystein: Tudo vem do processo! Eu faço isso há um bom tempo e sei a forma como lapidar as coisas, ou seja, eu não passo tanto tempo pensando em como devo fazer um riff ou melodia, uma vez que já estabeleci alguns métodos de trabalho, o que acaba sendo algo muito natural para mim. No entanto, nós compartilhamos nossas ideias, esboços de música, com isso, vamos juntos, passo a passo, construindo nossa música. Esse processo se desenvolve de forma bem suave, sendo o que você ouve no disco veio de forma natural, não há nada forçado ou imposto. Antigamente, a gente ensaiava as músicas e depois as gravava, mas, hoje em dia, o processo é mais contínuo e demorado, porque eu mesmo produzo. Antes, eu era mais o guitarrista; agora, acumulo a função de produtor também, assim como os outros caras da banda. Com isso, essa é a forma mais real e honesta de mostrar aos nossos fãs o que nós criamos, ou seja, o que você ouve é o que nós criamos.

No novo álbum há a participação especial do cantor Kristoffer Rygg, na música Winter Thrice e Terminus. Como foi trabalhar com ele pela primeira vez desde que ele deixou a banda depois do álbum The Olden Domain (1997)?

Øystein: Foi ótimo! Ele é um grande amigo. Eu me lembro de quando ele saiu da banda, e a saída dele foi planejada. Nós estávamos na Alemanha fazendo a mixagem do disco, e lá mesmo, no hotel na Alemanha, nós conversamos e ele achou que era melhor seguir seu próprio caminho, fazendo suas coisas.

Sem sentimento ferido?

Øystein: Nenhum sentimento ferido. Ele é um grande amigo e eu sou um grande fã de sua música. Além disso, eu o considero um grande músico e produtor, e foi uma grande coincidência a participação de Kristoffer, em Winter Thrice.

Eu estava vendo algumas fotos antigas, com isso, vi uma das primeiras fotos que tiramos juntos na época de nosso primeiro álbum, que completa, exatamente, vinte anos de lançado. E agora, em Winter Thrice, seria o nosso décimo álbum de estúdio, então, eu tinha que mandar mensagem.

Eu disse: ‘Krist, você topa fazer alguma coisa nesse álbum com a gente? Faz vinte anos desde que trabalhamos juntos e esse é o nosso décimo disco’. Depois disso, ele me respondeu dizendo que seria muito legal fazermos alguma coisa juntos, e me pediu para mandar algumas músicas e letras para ele. No começo, a gente pensava que ele faria algum backin’ vocal em uma música ou participaria de uma forma menos expressiva, no entanto, ele acabou participando em duas canções.

Ele ainda é um membro da família, né?

Øystein: Exatamente! Ele é parte da família e foi ótimo tê-lo de volta. Ele é muito profissional e muito bom no que faz.

Winter Thrice foi produzido por você e mixado pelo Jens Bogren. Você considerou Jens produzindo o novo álbum?

Øystein: Ele (Jens) trabalhou na mixagem por duas semanas, na Suécia. Ele acabou mudando muita coisa, na verdade (risos). Mas foi muito bom ter a opinião de alguém de fora, porque estávamos trabalhando naquelas músicas há seis ou sete meses, então, a gente acaba ficando um pouco cego em relação ao trabalho. No entanto, no final das contas, éramos nós quem determinava o que iria acontecer, então, ele meio que nos assistiu nesse álbum.

Sua abordagem em relação às turnês e processo de composição mudou com os anos de experiência?

Øystein: No começo, eu não era muito de excursionar, para ser honesto. Eu não sei por que, mas eu não me sentia na posição de um animador, me via mais como um compositor e queria fazer música.

Mesmo com uma maravilhosa arte em suas mãos e com um exército de fãs ao redor do mundo?

Øystein: Como eu disse, eu não sei o porquê, mas isso mudou muito nos últimos dez ou quinze anos, sendo que, hoje em dia, eu adoro. Há alguns limites, afinal, todos nós temos famílias e outras responsabilidades e obrigações, ou seja, nós não podemos excursionar por seis meses direto, mas tentamos excursionar o máximo que podemos. No entanto, nós sempre focamos na qualidade ao invés da quantidade.

Há quatro anos entre os álbuns Urd e Winter Thrice. Você considera um período muito longo entre o lançamento desses discos?

Øystein: Sim, é um período longo sim, embora não tenha sido por nossa culpa. Teve o acidente com o Andreas Hedlund (Andreas machucou-se seriamente em uma queda acidental, resultando em várias fraturas no crânio, hemorragia cerebral e surdez momentânea em um ouvido), com isso tivemos que postergar tudo. O Winter Thrice era para ser lançado em 2015, ou seja, um ano e meio atrás, mas por conta desse problema tivemos que postergar as coisas. Mas vale dizer que a gente não corre, tampouco força as coisas.

Vocês já têm material para um novo álbum?

Øystein: Temos, sim! Mas não precisamos fazer um álbum a cada ano. Quando lançamos um disco, eu quero ter a certeza de que aquilo é o melhor que podemos fazer, não curto fazer as coisas de qualquer jeito.

Como vocês conseguem misturar o black metal e o progressivo e vir com esse som que é a marca registrada do Borknagar?

Øystein: É acredito que seja uma evolução. Eu comecei em um ponto e fui escalando essa montanha tentando achar diferentes elementos, e esse sempre foi o objetivo da nossa banda. A gente não queria colocar limites, quer dizer, há limites porque nós não vamos fazer um jazz ou algo parecido. Todavia, a emoção e o sentimento é algo muito importante em nosso som, eu não digo aos outros: ‘Você deve tocar desse ou daquele jeito’. Não! Não funciona assim para nós.

Tudo vem naturalmente.

Øystein: Tem de vir naturalmente! Eu sempre tive a ideia de criar um universo com minha música. Veja, por exemplo, a série Senhor dos Anéis. Eles criaram um universo, não é só o filme, ou seja, é o pacote completo, onde há tipo de letra especial, capa dos livros, o tipo de texto, visto que tudo se combina, assim é com a saga Star Wars, onde fora criado o próprio universo. Então, de certa forma, é o que nós tentamos criar com nossa música, embora eu nem saiba se conseguimos sucesso com isso, mas é o que tentamos fazer.

Mesmo que você não veja a capa do álbum e apenas ouça a música é fácil reconhecer que se trata do som do Borknagar. Creio que esse seja um dos objetivos e sonho da maioria das bandas, alcançar essa identidade.

Øystein: Totalmente! Tem bandas que você ouve dois segundos e já sabe de quem se trata.

Essa é a primeira vez de vocês no Brasil, mas o Borknagar já era conectado com o país, de certeza forma, ao trabalhar com o designer e diretor de arte, Marcelo Vasco, nas capas dos discos.

Øystein: Acho que foi em 2009 ou 2010, a gente estava fazendo um disco, aí um amigo comentou sobre o trabalho de Marcelo e disse que valeria muito a pena trabalhar com ele e tal. Com isso, entramos em contato com ele. A gente, o Borknagar e Marcelo, viemos de mundos diferentes; temos vivências diferentes e falamos línguas diferentes – ainda que nos comuniquemos em inglês –, mas conseguimos nos entender de uma forma muito boa e tudo fluiu de uma maneira ótima.

Ele é um artista maravilhoso! Hoje, se estou trabalhando em um novo álbum, eu posso mandar para ele um título de música, letra ou música que ele já se conecta ao trabalho e me responde com um ótimo trabalho. É lógico que damos alguns direcionamentos, mas ele sempre vem com algo que funciona muito bem com a nossa música.

É certo afirmar que o Borknagar está vivendo seu melhor momento em toda sua carreira?

Øystein: Com toda certeza, sim! Por trás das coisas sempre há o fator dos negócios, que faz com que determinados momentos um tipo de música seja mais popular do que outro. É quase como a natureza: chove, neva ou faz Sol, de modo que você só tem que lidar com o que está acontecendo. Mas sempre terá aquela dinâmica: atingi esse ponto, agora irei ainda mais alto e atingirei um pico maior ainda que este em que estou. É evoluir sempre, caso contrário, não faz sentido fazer esse tipo de coisa.

Por quanto tempo você vê o Borknagar ativo na música? Black Sabbath durou mais de 40 anos!

Øystein: Pelo tempo que meu coração bater!

Qual sua memória favorita da estrada?

Øystein: Eu diria que seria agora! Essa turnê atual tem sido ótima. Nós fizemos um show ótimo em São Paulo, e estamos nos divertindo muito aqui no Rio de Janeiro. Enfim, esses dias tem sido maravilhosos.

Alguma mensagem final?

Øystein: Muito obrigado a todos que escutam nossa música e apoiam nossa banda. A gente não faz nada sozinhos, nós agradecemos a todos por nos ajudarem a seguir em frente e espero vê-los em nossa próxima turnê por aqui.

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